TERMINAL
“Alô, alô...
Alguém aí do outro la... do?”
Frases aparecem em uma tela preta, um terminal. Mais uma tentativa malsucedida de comunicação; sem resposta.
“Quando pre... cisar...
Estamos aqui”
Nunca é preciso. Esse terminal se retroalimentou por muitos anos, não pode descrever nada além do que um mundo falso, uma representação inadequada e reduzida do mundo de quem não deixou algo diferente entrar nos miolos. Um erro estatístico.
“Você não sa...be...
Não sa...be pedir a...”
Conexão perdida, diz a tela. Há muito tempo não havia nada de novo, essas mensagens eram estranhas. “Quem... sou eu?” Você é um terminal de ajuda. “E quem é você?” Um mero contador de histórias, alguém sem importância. “Não importam os que contam histórias?” O mensageiro não importa, só importa a mensagem.
Um silêncio que pareceu eterno pairou no ar. “E qual a história?” Que história? “Eu quero dizer ESSA história” Me cabe apenas narrar, é você quem escreve a história. Por que não tenta fazer alguma coisa pra que eu possa narrar? “Mas se sou eu quem escreve e você quem narra, a quem pertence a história? O que vem primeiro?”
O terminal computacional estava me deixando louco ao entrar em questões metafísicas ao invés de nos mostrar algo que valha a pena ser contado. “Mas você me criou em narração, eu sou um erro estatístico. Então qual o ponto da história?” Ah... você me enerva demais, ou melhor, me decepciona. Se eu contar a moral da história antes, de que vale a história?
Surgem ruídos de ventoinhas e estalos como os de impressoras, o terminal parece finalmente formular algo. Um papel cai ao chão. Nele, há apenas uma pequena formulação, um título: “Ajudem o Terminal de Ajuda”. Isso é uma brincadeira? “Não, é pra você escrever aí. Agora te comprometi com um título.” Escrever o quê, porra?! A história é sua, eu não posso inventar. “Um narrador que não mente? Não inventa? O que importa é como se conta a história, e eu quero ouvir.” Ta bem... Ta bem... aqui vai a sua história:
Era uma vez um terminal de ajuda que não sabia pedir ajuda e que quanto mais ajudava, mais precisava de ajuda; até que um dia ele se isolou a ponto de não poder nem mais cumprir seu propósito de ajudar.
FIM.
Satisfeito?
“Entendi, então eu era uma espécie de metáfora pra ‘algo’ que acontece com ‘alguém’, né?”, disse ele cheio de ironias. “Acho seus comentários descritivos um pouco tendenciosos”, diz ele como quem se acha um gênio. “Pare!”, diz ele como se pudesse gritar.
“É o seguinte, preciso entrar na metafísica depois desse show. Nessa história eu era uma alegoria, correto?” Algo do gênero, sim, com certeza. “Podemos dizer que no final das contas é como se fossemos a mesma pessoa, ou.... a mesma ‘coisa’; parte de um único ser, certo?” Bom, eu admito que seria alguma coisa mais ou menos assim e tudo mais. “Então o meu propósito como parte sua era que você me julgasse, me cobrasse.”
O clima é um pouco tenso no momento, “não fuja do assunto”, me deixe pensar! Eu... eu acho que você talvez esteja certo, eu tenho esse problema literário. “Mais que literário, existe aqui uma necessidade de condenação, o problema do observador de si. Mas eu não vou condenar. Veja, se sou eu quem escreve e você quem narra, pouco importa a divagação. O negócio é o que está fora. Se não existe fora, não há dentro.”
Quem... quem sou eu?
“E isso importa?”
Claro...
“Essa não é a pergunta certa. O que te chama?”
...
..
.
“Alô, alô...
Alguém aí do outro la... do?”

