Verborragia #2
crescemos acreditando que somos protagonistas de nossas próprias histórias. afinal, a própria existência individual é percebida por nós como o fruto de nossas sensações. sempre estamos a observar nossos próprios passos em direção às frações de tempo que carregam cheiros, imagens e gostos; e esses, por sua vez, levam a novos passos e novos momentos, sempre um atrás do outro; como numa sequência de frames de um filme, ou como os fragmentos translúcidos que o bater de asas de um beija-flor deixa pelo ar.
mas ao observar os outros e entrar na mistura interpessoal das relações humanas, vemos quanto o viver não está relacionado ao que é individualmente nosso, mas ao que é de todos. as trocas e as sensações que presenciamos dentro de nós, seja pelo diálogo ou pelos gestos, transformam em farelos aquilo que um dia foi pensado como sendo um mundo particular; mas não pra sempre. a individualidade sempre acaba voltando em suspensão da realidade. ela nos deixa leve e nos faz acreditar nos sonhos intrínsecos do ego e talvez numa autossuficiência que parece tão real; até que seja destruída pelo que é, de fato, a realidade.
eu vivo o sonho até que as cortinas não consigam mais conter o sol, até que os olhos já não possam mais fechar, até que as montanhas não se possam mais esconder. e quando o sonho se desfaz, eu sinto a rejeição, o peso, as chagas. mas sinto também o abraço de um querido amigo, o peso que vem com o amor do sorriso de quem se fez agradável para que fosse amado e também para que pudesse amar e para que não se entregasse de vez ao sonho. e então eu penso se somos mesmo alguma coisa individual como sujeiras num copo de sangue ou cristais num copo de água. de que vale então o individual sem o que o cerca? importa mesmo a desenvoltura do que achamos que somos ou do que pensamos ser para os outros? em conclusão própria eu digo que sim. não pela individualidade única que acreditamos possuir, mas pela repetição de nossas histórias criadas em conjunto; que, apesar de serem iguais a outras, serão sempre paradoxalmente únicas. aquilo que vivemos em conjunto forma o que somos para nós mesmos na suspensão. eu não seria nada sem vocês. vocês sem mim? já não posso dizer

